Edvalson Bezerra Silva (Mocoin)*

A escuridão começava a dar lugar aos primeiros raios de sol quando passávamos pela cidade de Pio XII, no Maranhão, no início de maio, vindos de Vitorino Freire no mesmo Estado. As barraquinhas que ficam na margem da estrada já estavam montadas com seus produtos à venda: cuscuz, beiju, arroz, galinha, panelada (mistura de bucho, tripa e mocotó de boi, bem limpos e bem cozidos) e diversos tipos de bolo. Tudo isso feito num fogareiro cujo combustível é o ecológico carvão feito da casca do coco babaçu.

Foto: Carlos Ferreira da Silva (Carlinho).

Pode parecer estranho, mas é comum as pessoas comerem arroz com farinha e panelada na sua primeira refeição, o “café” da manhã, pra quem vive nessas bandas.  Assim como o fogareiro, essas barraquinhas fazem parte dessa paisagem desde tempos imemoriais, tornando-se parte da cultura de cada região do País, respeitando-se a singularidade local. Em alguns lugares elas dedicam-se a vender frutas regionais de cada estação do ano. De vez em quando ações de fiscais ou policiais tentam acabar com tudo. Mas elas resistem.

Paramos para tomar nosso café. Alguns caminhoneiros e alguns trabalhadores locais já estavam no local. Claro que o meu café não fugiu ao tradicional: cuscuz de arroz com uma coxa, o fígado e caldo de galinha caipira. Conversa vai, conversa vem, dona Maria Rodrigues do Nascimento, a dona da banca, contou que as autoridades queriam retirar as barraquinhas das margens da rodovia. Curioso, comecei a perguntar mais, para tentar entender melhor, e a gravar a conversa, com a permissão da dona Maria.

“Olhe meu filho, eu cheguei aqui, em Pio XII, em 1964 com seis anos de idade. Agora eu não sei o motivo que eles querem retirar a gente daqui! Eu vivo desse `de comer` há mais de 30 anos. Criei oito filhos (eram dez, dois morreram). Tenho 18 netos e seis bisnetos. É daqui que tiro o meu sustento e o da minha família. Se não for disso, eu vou viver de quê?”. Pergunta dona Maria. Essa pergunta até hoje ecoa nos meus ouvidos. Um Estado que lidera a estatística da extrema pobreza, de acordo com o IBGE, não pode acabar com as formas alternativas das pessoas tirar seu sustento e viver com um pouco mais de dignidade. Ainda mais quando isso é algo considerado cultural.

“Se não colocarem a gente em outro local, vamos passar dificuldade”, diz dona Maria. Ainda lembro que aquele trecho da BR 316 foi considerado pela Rede Globo a pior estrada do Brasil. Depois daquela denúncia o asfalto foi refeito, sinalizado e a parte da que corta a cidade ficou bem larga.  As autoridades locais poderiam preparar um local mais adequado para as barraquinhas, na margem, colocando até água, luz e banheiros, facilitando a vida daquelas pessoas e dando um pouco mais de conforto aos clientes. Ninguém reivindica mordomias, mas certamente as barraquinhas farão falta, se acabarem com elas.

*Edvalson Bezerra Silva (Mocoin) é jornalista e escritor, natural de Vitorino Freire, Maranhão